“O enraizamento é talvez a
necessidade mais importante e mais desconhecida da alma humana. É uma das mais
difíceis de definir. O ser humano tem uma raiz por sua participação real, ativa
e natural na existência de uma coletividade que conserva vivos certos tesouros do
passado e certos pressentimentos do futuro.”
Simone Weil
Saber onde estão as raízes de cada indivíduo, como
ali chegaram a brotar e de que precisam para continuar a nutrir a grande
estrutura humana pode levar o ser com maior criatividade e vitalidade ao
destino querido.
Da história herdada começa a germinação particular. E,
assim, antes de começarmos a falar de um ‘eu’, estamos imersos em uma cultura
que nos é dada, uma tradição que é passada e um legado que é deixado pelos
nossos genitores. Podemos, portanto, nos sentir abençoados ou amaldiçoados de
acordo com o que recebemos, sujeitos a uma grande dificuldade de permitir a iluminação
de toda a história para que realmente a raiz lançada possa se fixar. Em alguns
momentos, tendemos a exaltar certos aspectos e configurá-los numa verdade
absoluta e perfeita; em outros, a omitir aqueles que nos causam maior
desconforto, vergonha, culpa ou ira; e ainda tem aqueles em que buscamos nos
fortalecer por nós mesmos, com uma negação absoluta de tudo aquilo que foi transmitido.
Em qualquer dessas ocasiões, corremos o risco de não estabelecermos
um contato com o todo, com o real, que se configura nessa tensão constante entre
determinado e indeterminado, finito e infinito, conhecido e desconhecido... e,
no caso específico, naquilo que nos foi dado e para onde queremos ir. Se vamos rumo
ao desconhecido, que é o nosso futuro, temos de estar no presente, com uma
participação ativa, e isso se dá a partir da bagagem do passado e da projeção
para o tempo além. Caso contrário, podemos não partir do presente, mas neste
ficarmos presos, passivos e sujeitados às circunstâncias imediatas, com poucas
possibilidades de novas construções e em deixar um legado reestruturado a ser sempre
reconfigurado pelas próximas gerações.
E é preciso ressaltar que estamos sendo treinados a
viver na contemporaneidade de maneira muito contígua às reações, àquilo que
acontece no exato momento, sujeitos a sermos derrubados na mais leve chuva ou
ressequidos diante de um sol um pouco mais forte. Na sociedade líquido-moderna
de Bauman[1],
tudo fica fluido e pouco sustentado e, ao invés de orientarmos para o rumo que
queremos na vida, nos esforçamos desesperadamente na manutenção desta a
qualquer custo, com a tendência a exigir a satisfação imediata dos mais rasos
desejos e em nos afirmamos nas mais breves condições.
Quando deixamos a nossa história sob a luz, isto é, a
partir do momento que a tomamos com clareza, abertura e respeito, por mais
difícil ou assombrosa que seja, as nossas raízes sabem onde estão fincadas e o
fortalecimento da nossa árvore diante das adversidades vividas pode ser
estabelecido, com condições ainda de seguir ao encontro do céu. Precisamos retomar
sempre a nossa história, fazer um esforço de trazê-la para a lembrança, pois
como nos diz Elie Wiesel, lembrar “é viver em mais de um mundo, impedir que o
passado se desvaneça e chamar o futuro para iluminá-lo”.
Como somente lembramos no presente, aqui estar é ancorar
naquilo que nos chegou para ajudar na nossa sustentação. Falar sobre a
lembrança possibilita-nos uma certa análise e, se ainda estivermos diante de
uma companhia real quando narramos a nossa história, existe a condição
necessária para uma observação desta sobre outros pontos de vista. Podemos
deixar a posição de aceitação ou recusa cegas para o esforço de acolhimento.
Apropriamo-nos da nossa história, nos reerguemos e vemos para onde queremos
levar o nosso destino: a participação ativa se instaura e uma escolha própria
diante daquilo que a vida nos propõe encontra condições de ser feita.
Desse modo, com o acolhimento daquilo que recebemos, nos
fortalecemos e podemos partir para um desenvolvimento, com a proposta daquilo que queremos ver na vida e no mundo: o compromisso global
com a existência[2]
é, enfim, possibilitado!
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